Quero fazer um desabafo sobre minhas preferências cinematográficas. Nos últimos tempos, quando converso com as pessoas sobre cinema, elas me fazem parecer um retardado mental de 12 anos de idade só porque eu digo que gosto de comédias, especialmente aquelas de high school americanas que se passam numa pacata cidade do interior, com altas gatas, jogadores de futebol pegadores e nerds, tudo tal qual narrado em riqueza de detalhes pelo Didi em seu último post. Mas o que eu queria mesmo falar com essas pessoas é que eu sei do que eu gosto e, acredite, eu entendo do assunto. Sabe aqueles caras que conversam sobre o "novo cinema alemão" de Fassbinder, o existencialismo vazio de Bergman, o cinema novo de Glauber Rocha, as criações de Fellini, a nouvelle vague de Truffaut e Godard e se perdem em enfadonhas divagações sobre a crítica social-existencialista feita a partir das lentes desfocadas e tediosas desses cineastas. Não fica parecendo que só eles entendem de cinema? Não é como conversar com alguém sobre música clássica e jazz? Ou Pelé e Garrincha, falando do Romário e do Ronaldo? Pois é, eu sei do que eu tô falando quando digo que gosto de comédia. Acho que o trabalho de mestres do quilate de John Hughes, que revolucionou o cinema ao tratar diretamente da questão do crescimento, dos ritos de passagem, do longo caminho entre a infância e a vida adulta, precisa ser ressaltado. Não é a toa que ele é reconhecido como o "filósofo da puberdade", e autor e diretor de clássicos eternos como Curtindo a Vida Adoidado (meu favorito), Gatinhas e Gatões, Quem Vê Cara Não Vê Coração, Clube dos Cinco, A Garota de Rosa Shocking, além de ser o grande idealizador do já clássico Esqueceram de Mim. O que eu mais gosto em seu trabalho é a ausência de preocupações existenciais, fator comum a todos os seus filmes. São filmes em que a gente sabe que tudo vai dar certo no final, mas o que importa é o caminho. Merece reconhecimento também o trabalho dos Irmãos Farrelly, os gênios criadores de Quem Vai Ficar Com Mary?, Debi e Lóide, Eu, Eu Mesmo e Irene, Esses Loucos Reis do Boliche, O Amor é Cego, Ligado em Você, Diga Que Não É Verdade ou Outside Providence. O que me fascina em seus filmes é a forma bem humorada com que inserem em suas histórias personagens maculados por alguma deficiência física ou mental que os diferencia dos "normais", entretanto, apenas externamente. Quem não se lembra do irmão retardado de Mary, ou do policial bipolar vivido por Jim Carrey em Eu, Eu mesmo e Irene, ou mesmo da linda história dos irmãos siameses de Ligado em Você? ou da pureza do olhar de Jack Black, que, apaixonado pela garota obesa em "O Amor é Cego", foi capaz de ver todas as suas qualidades. Um de seus segredos é a atilização de cenas de flashback para mostrar à platéia como um evento traumático do passado acompanha a vida das pessoas e forma o seu caráter. Além disso, as trilhas sonoras desses filmes sempre são maravilhosas, rejuvenescendo grandes nomes esquecidos do pop/rock americano dos anos 70 e 80 ou trazendo novas versões dessas músicas por artistas independentes. Tudo isso permeando grandes aventuras, cheias de mudanças e surpresas, que torna seus finais sempre surpreendentes e cheios de reviravoltas. Além desses, eu sou grande fã do Tarantino (mas as pessoas que me criticam também são, tornando desnecessário falar sobre ele aqui), assim como do Ridley Scott (de Top Gun) e os Irmãos Coen (vencedores de 4 Oscars). Destaco também o grande Cameron Crowe, que fez sucesso com Titanic, mas me ganhou com Picardias Estudantis, Quase Famosos, Tudo Acontece em Elizabethtown, Singles e especialmente Jerry Maguire e continua na ativa e com muito potencial pela frente. Seus filmes são conduzidos como uma canção pop, cheios de referências culturais, e que, tem em comum o fato de retratarem um importante aspecto da cultura americana: a facilidade com que as pessoas podem atingir, por seus méritos e deméritos, o sucesso e o fracasso. Entretanto, nesse post específico, eu quero apresentar aos meus leitores (menos ao Leo, Diogo, Yan, talvez a Fabi, rs...) o grande Kevin Smith! Esse cara que em 1994 e gastando apenas 27 mil dólares foi capaz de fazer com que uma comédia em preto e branco e que se passa apenas em uma loja de conveniência faturasse mais de 3 milhões de dólares, além de ser premiada em Cannes e Sundance. Trata-se de "Clerks" - no Brasil, "O Balconista". Uma verdadeira obra prima que introduz todo um universo de personagens retirados de histórias em quadrinho, linguagem de nerd e idéias mirabolantes, típicas daquelas de conversas de boteco entre grandes amigos. Não dá para deixar de assistir. Ao Balconista, seguiram-se as também obras-primas: Barrados no Shopping e Procura-se Amy. Depois, vieram Dogma, A Menina dos Olhos, O Império do Besteirol Contra-Ataca e O Balconista 2. O que impressiona é o vigor do conteúdo de seus roteiros em que importantes questões, como o racismo na américa, são discutidas com grande frescor, usando Guerra nas Estrelas como ponto de referência. Ou, discutindo a questão da homossexualidade em passagens como "Since you like chicks, right, do you just look at yourself naked in the mirror all the time?". É nessas horas que a força do script de Smith arrebata a audiência. Força que só se compara aos diálogos do mestre Tarantino. E é por isso que seus filmes transformaram instantaneamente a minha vida, dando, inclusive nome à nossa banda: Silent Bob and The Jay Jay´s. Ou seja, quem foi que disse que não há arte, pragmatismo e identidade nos filmes de comédia? Obrigado por ficarem até o final comigo neste desabafo, e não venham me falar que eu gosto de filmes bobos. Bobo é quem gosta do que não entende ou finge que gosta do que finge que entende só para se passar por inteligente.